Pôr do Sol no Alentejo

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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A Dona Helena

Isto até parece mal eu, com 88 anos ainda estar a comprar candeeiros novos!
- Foi com um grande sorriso e com estas palavras que a senhora dona Helena me abordou quando entrei em sua casa para lhe entregar e montar o candeeiro que ela me tinha comprado. - É claro que eu contestei, mas também não precisava, a dona Helena respira vontade de viver por todos os poros do corpo e é de uma jovialidade de fazer inveja.
- Começou por me dizer que ninguém lhe dá a idade que tem. Palpitam-lhe quase sempre, setenta e tal. Mas olhe senhor, se estou bem conservada não foi por não trabalhar, porque sempre trabalhei muito e desde criança!
- Dona Helena começou então a narrar-me a sua história de vida.
O meu pai foi daqueles que emigraram para o Brasil. Quando partiu, tinha a minha irmã mais velha dois anos e esteve lá dez anos. Durante esse período, foi mandando dinheiro e a minha mãe com esse dinheiro foi comprando fazendas. Ela já administrava a parte da propriedade que lhe tinha calhado da herança dos pais dela.
Possuíam terras e bens suficientes e já não fazia sentido o meu pai viver longe da família, de modo que ele regressou. Passado um ano depois do seu regresso, nasci eu.

Mas, por vezes os desígnios de Deus são tão difíceis de compreender! A minha mãezinha, quando eu tinha seis anos adoeceu gravemente, Meu pais foi com ela aos melhores médicos e não se furtou a qualquer gasto para ela se salvar, mas nada a curou e acabou por morrer!
Foi um rude golpe na minha família! Principalmente para mim, ficar órfã de mãe aos seis anos!
Meu pai saía de madrugada para a lavoura e eu ficava com a minha irmã que era horrível para mim, batia-me e obrigava-me a cuidar da casa e ai de mim se não fizesse o que ela mandava.
A minha tia, a única irmã da minha mãe queria-me levar lá para casa dela, mas a minha irmã não me deixou ir dizendo que eu era a protecção dela! Dizendo que sem mim o nosso pai metia-se com ela! Afirmando que ele já tentara várias vezes a seduzir, mas ela fugira sempre! Se levam a minha irmãzinha e me deixam aqui sozinha com ele, eu serei violada, concluiu! Estas acusações caíram que nem uma bomba e a minha tia chamou imediatamente a guarda. Foi uma bronca tremenda, meu pai foi a tribunal mas acabou por ficou absolvido. Porém, a partir do dia em que a minha irmã fez aquelas acusações, o meu pai não a quis mais lá em casa, nem nunca mais lhe falou. Acabou por ser ela a ir viver para a casa dos meus tios e acabou por ser a criada deles, o que foi muito bem feito!  
Entretanto o meu pai contratou uma criada para tratar da nossa casa: a dona Otília. E a mim deu-me a tarefa de cuidar das ovelhas: era um trabalho muito duro! Sair bem cedo com as ovelhas, a dona Otília preparava-me um farnel para todo o dia. À noite quando regressava ainda ia ordenhas as ovelhas para no outro dia a dona Otília fazer os queijos. Fiz esse trabalho desde os sete anos aos dez. Foi a escola que tive!
Nessa altura o meu pai voltou a cassar.
Gostei muito da minha madrasta que sempre me tratou muito bem! Tive mais dois irmãos desse casamento de meu pai. Também me apercebia das discussões contantes entre o meu pai e a minha madrasta por causa dos ciúmes…
Meu pai era muito mais velho que a minha madrasta e morria de ciúmes! Vivia atormentado e dizia que o meu irmão mais novo não era filho dele…
Um dia ela fartou-se e foi-se embora! Levou o mais novo e deixou o mais velho. Claro que fui eu que tive de cuidar dele…
Depois apareceu o meu marido…
Pediu-me namoro e eu também estava perdida de amores por ele de modo que aceitei logo.
Mas naquele tempo, o pai é que mandava e quando o meu Alfredo lhe foi pedir a minha mão, o meu pai disse-lhe que não! Eu ainda era muito nova para namorar…
É claro que nós não fizemos caso dele e namorava-mos às escondidas.
Um dia o meu namorado foi chamado para a tropa! Foi para Lisboa e de lá mandava-me cartas, mas, eu não sabia ler tinha que pedir à filha da professora, que era minha amiga, que mas lessem e que escrevesse as minhas respostas. Um dia a professora ofereceu-se para me ensinar a ler e escrever. Ao fim de seis meses, eu já lia e escrevia as minhas cartas! 
Quando terminou o serviço militar o meu Alfredo ficou por Lisboa onde teve alguns empregos e depois arranjou trabalho na Sacor, que era uma grande empresa. Aparecia lá na terra para me ver e ver a família dele evidentemente, que eram de uma terra muito perto da minha.
Já com o serviço militar cumprido e com trabalho certo, numa grande empresa o meu pai tinha de consentir o nosso namoro, se o não fizesse eu teria fugido com ele, mas não, ele aceitou e recebia-o muito bem lá em casa. Casamos ao fim de seis meses e fui viver para Lisboa com o meu marido. Vivíamos, num quarto alugado. A princípio eu morria de tédio sem ter nada que fazer, senão esperar pela hora de regresso do meu marido, mas depois arranjei trabalho: ajudante de cozinha num restaurante. Com os dois a trabalhar já podíamos alugar uma casa! Já estava farta de viver num quarto!
Mais tarde, também fui trabalhar para a Sacor a empresa onde trabalhava o meu marido. Fui para a cozinha! Trabalhamos nessa grande empresa mais de vinte anos até um dia ela fechar.  
Durante esse período nasceram e criaram-se os meus dois filhos.
Depois da Sacor acabar, o meu marido ficou a trabalhar na Galp, que era a nova empresa resultante da Sacor, e eu fui como cozinheira para a Covina e por lá ficamos até às nossas reformas.
Quando o meu pai morreu fizemos as partilhas, ele sempre quis deserdar a minha irmã, mas nunca o fez e ainda bem! Eu vendi a minha parte e com o dinheiro comprei esta casa aqui no concelho do Seixal. Era para qui que vínhamos nos fins-de-semana e onde passávamos as férias. Assim que nos reformamos, esta passou a ser a nossa principal residência.
Eu cuidava do jardim que da para a parte da frente da casa e o meu Alfredo cuidava da horta no quintal das traseiras. Tínhamos galinhas e coelhos e tínhamos um cão e um gato. Vivíamos muito felizes até aparecer as doenças que acabaram por levar o meu Alfredo depois de tanto sofrimento. Partiu há quatro anos e eu qualquer dia vou-lhe fazer companhia…
Mas por agora há que cuidar das coisas e não deixar degradar nada! Os meus filhos e os meus netos adoram esta casa e eu quero-a sempre num brinquinho.

Terminando assim a sua história com um franco e bonito sorriso.

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